Michel Maffesoli (CEAQ - Paris V - Sorbonne - Paris)
O ser é pensado em função de sua época. A das “Luzes”, progressivamente, impôs uma ideologia da transparência. É a marca da modernidade, ou daquilo que Gilbert Durand nomeou o “regime diurno do imaginário”. Um novo ciclo tem início, o da pós-modernidade. O que podemos aproximar do “regime noturno do imaginário”. O segredo nele re-desempenhará um papel importante. Passa-se assim, de uma simples “explicação” do mundo (ex-plicare), a da ciência, para uma verdadeira “implicação” aninhada nas camadas do inconsciente coletivo, dos mitos, o que aponta para um pensamento plural.
Não será o labirinto o modelo mÃtico-simbólico do segredo e da sua dinâmica? Uma leitura à luz do imaginário educacional
Alberto Filipe Araújo (Universidade do Minho - Braga - Portugal)
Os símbolos e os mitos exprimem os paradoxos que caracterizam e condicionam a existência e as suas circunstâncias, como diria Ortega y Gasset, mostrando-se igualmente capazes não só de lidarem com o mistério cósmico e subjectivo, como de oferecerem pistas, alternativas aos imbróglios tecidos por uma tradição positivista, iconoclasta ocidental dominada pela lógica aristotélica e fazendo do mito um tabu (Mezzadri, 2004: 3-7). Por outras palavras, o mito quer na sua vertente antropológica (incluindo a perspectiva da História das Religiões), quer na sua vertente mais hermenêutica não deve ser confundido com uma narrativa fantasista periférica ao estatuto gnosiológico, psicológico e ontológico do humano, mas antes deve ser encarado, lembrando Georges Gusdorf, como uma metafísica que ajuda a compreender melhor as coisas, os seres e a minha própria existência: “ele aparece também como um instrumento para pensar o absoluto” a partir de um espaço simbólico que não se reduz nem ao pensamento puro, nem à consciência empírica. Enfim, o mito encarámo-lo como “uma modalidade originária [com uma lógica interna própria] de doação de sentido, de manifestação do ser das coisas, de apropriação do mundo” (Wunenburger, 1987: 43). Daí que a temática escolhida para o XVI Ciclo de Estudos Sobre o Imaginário (18 a 21 de Outubro de 2011) que visa reflectir, a partir do imaginário, as dimensões simbólicas, arquetípicas e míticas do segredo deva ser entendida, a nosso ver, no quadro de uma “fantástica transcendental” tal como nos ensinou Gilbert Durand.
De um modo geral, um terreiro de candomblé se sustenta em três pilastras: o preceito, o respeito e o segredo. Pelo menos, assim acontece nos terreiros considerados tradicionais. Aqui, no entanto, refiro-me apenas ao segredo. Tomo como ponto de partida as posições de Michael Pollak em seus dois artigos, Memória, esquecimento, silêncio (1989) e Memória e identidade social (1992). A partir do entendimento que Pollak constrói a respeito de “memórias subterrâneas”, aqui compartilho do que já se costuma dizer como “Brasil profundo”. É das profundezas desse Brasil, artificialmente recoberto por uma rede de invisibilidade, que trago à tona o terreiro de candomblé em sua trajetória que dinamiza o segredo. Tomo a mim mesmo como pessoa oriunda de tal universo e minha experiência é apresentada a partir de um dado terreiro, o Ilê Axé Ijexá, de origem nagô e nacão ijexá. Não é a biografia de uma pessoa, porém, que se ressalta, mas a dinamização do segredo numa casa afrodescendente e numa pessoa que exerce o viver e o fazer do candomblé. A dinamização do segredo propicia a permanência do terreiro, ainda que o manto da invisibilidade, tecido pela elite dominante, tenha relegado os terreiros aos porões do “Brasil profundo”. Os terreiros, no entanto, têm moldado a resistência e até mesmo permitido, ao longo do tempo, através da capilaridade de seus muros, uma maior abertura de si mesmos e a troca de experiências com a sociedade mais ampla. Não é possível a vida num terreiro em que o segredo não é dinamizado, vivenciado, posto em ação. É necessário, porém, entender suas redes e imbricações, diante da exigência que os terreiros fazem: para entender o segredo, é preciso primeiro o compromisso com sua dinamização.
Em nome da opacidade. Dinâmicas do segredo e imaginário da mediação no texto medieval
Carlos F. Clamote Carreto (Universidade Aberta de Lisboa e Universidade Nova de Lisboa - Portugal)
Do interdito que percorre e estrutura o imaginário cortês da fin’amor, regulando a relação com o Outro e com o Outro-Mundo, à poética do não-dito e da elipse, verdadeira matriz ficcional do romance arturiano em verso do século XII, a literatura medieval tem ainda muito a nos dizer acerca da natureza multiforme, paradoxal e heterodoxa do segredo. Pensemos, por exemplo, na vertente hermenêutica do segredo em Marie de France enquanto opacidade e resistência à interpretação que garante a fecundidade da letra e a constante regeneração do sentido; no segredo como duplo da revelação e do acesso ao conhecimento que percorre a escrita em prosa (seja ela de natureza científica ou ficcional) do século XIII, uma escrita marcada pela ânsia de revelar/confessar os pecados secretos dos seus heróis e de colmar os hiatos do universo subordinando a lógica textual ao sentido escatológico do Tempo e da História; ou ainda no segredo como puro significante do desejo e poderoso simulacro a partir do qual se (des)constrói a ficção e se manipula a própria percepção do Real, vertente emblematicamente encenada pelo Roman de la Rose ou de Guillaume de Dole de Jean Renart. Verdadeiro elogio à opacidade e à importância vital das estruturas mediadoras na construção da identidade e do saber, os segredos da/na literatura medieval alertam-nos reiteradamente para os perigos inerentes a um ideal de (pseudo) transparência que, na sua tentativa/tentação de tornar inteiramente legíveis o sujeito e o mundo, bloqueia a comunicação, paralisa o sentido e reintroduz o caos. Insidiosa e reincidente ameaça através da qual a aventura de Yvain (Le Chevalier au Lion de Chrétien de Troyes), aprisionado numa sala circundada por cem janelas sob o olhar indiscreto do feminino, se cruza inadvertidamente com a experiência totalitária subjacente ao dispositivo carcerário de Bentham e com a exposição/exibição voluntária do Eu no espaço público da blogosfera.
Trata-se de retraçar o percurso desta revista transdisciplinar franco-portuguesa, semestral, que se destina à análise da figura do segredo. Criada em 1998, ela ainda está viva, perseguindo os mesmos objetivos do início do projeto, esbarrando com certas dificuldades, mas respondendo aparentemente a uma “necessidade” tanto em literatura como em ciências humanas, em historia, em antropologia... Serão desenvolvidos os seguintes pontos: objetivos: papel de passador entre cultura francesa e cultura lusófona; funcionamento; escolha dos temas (o segredo, sempre, mas associado à um outro assunto, que varia de um número para outro); os intercâmbios entre o Comitê de Redação e os autores: o “estilo Sigila”; a iconografia; difusão e visibilidade. Os paradoxos são muitos: uma revista sobre o segredo que procura ser conhecida; uma revista sobre um tema aparentemente restrito, mas de fato infinito; uma revista que procura seguir a atualidade mas cujas contribuições são intemporais.
O segredo ou as duas vias do sagrado
Jean-Jacques Wunenburger (Lyon 3 - França)
Segredo de família, segredo de Estado, segredo médico, tantos momentos onde se escondem saberes. Uns podem ser revelados pela violência, outros aproximados com pudor. Não estariam aí evidentes práticas do sagrado e de sua manifestação? Mas que diferenças há entre a transgressão do que é interdito e a busca de uma profundidade, mantida em recuo? Não permite o segredo apreender os dois imaginários do sagrado, que se opõem como “animus” e “anima”, o diurno e o noturno, o duplo mistificador e o termo de uma iniciação? Mas se toda sociedade e toda cultura ativaram estas duas vias, freqüentemente na ambivalência, como se transformam hoje estes imaginários face à tirania da transparência e da exibição dos corpos, dos afetos, assim como dos pensamentos? Que imaginários permitiriam reativar a estética e a ética do segredo, que talvez seja a própria fonte do imaginário, que não se desdobra senão sobre fundo de um jogo sutil entre o que se mostra e se esconde?
FÃRUM I IMAGINARIO/ARQUITETURA
Pierre Fernandez (Arquiteto - Doutor ENSMP)
Conferência de abertura (Dia 19 – 14h30)
Arquitetura bioclimática e desenvolvimento urbano sustentável - Pierre Fernandez (Arquiteto - Doutor ENSMP - Attaché de Coopération et d´Action Culturelle– Consulado Geral da França no Recife)
Conferência de abertura (Dia 19 – 14h): O Silêncio da Cibercultura - André Lemos (UFBA)
Conferência (dia 19 – 17h30): Da Simplicidade ao Mito no Instante Decisivo - Ana Taís Martins Portanova Barros (UFRGS)
Conferência de encerramento (dia 20 – 17h30): Sob o Signo de Hermes. Elementos para uma Antropológica do Imaginário no Ciberespaço - Cláudio C. Paiva (UFPB)
FORUM VIII EDUCAÃÃO
Maria das Graças AtaÃde de Almeida (UFRPE)
Conferência de abertura (dia 19 – 14h): Acaixa de pandora: discurso, imaginário e educação nos anos 30 e 40 do século xx - Maria das Graças Ataíde de Almeida (UFRPE)